Resenha | Ozob: Protocolo Molotov

O lançamento de Cyberpunk 2077 no final do ano passado foi um convite para eu reler um livro que está na minha estante há alguns anos: Ozob: Protocolo Molotov, escrito por Leonel Caldela em parceria com Deive Pazos. O interesse de reler o livro foi despertado por dois motivos: o livro e do jogo dividirem ambientação “cyberpunk” e a presença de Ozob no jogo, a segunda foi uma notícia agradável aos fãs do Nerdcast de RPG, já que Ozob foi o personagem de RPG interpretado por Deive Pazos na trilogia Cyberpunk e Cyberpunk 2077 sem dúvida era um dos jogos mais esperados do ano de 2020.

Em outras palavras: já que Cyberpunk está em alta e o livro e o jogo dividem um tema e um personagem, por que não?

Lembro que o primeiro comentário que eu tive quando terminei o livro pela primeira vez foi “Caldela coloca ‘Punk’ em ‘Cyberpunk’”. Na época, esse pensamento foi fruto por conta da violência e da estética apresentada pelo livro, e esse pensamento ficou um pouco mais completo após a segunda leitura.

A palavra “Punk” está associada a uma estética, tanto que acabou sendo o tema de ambientações para contar histórias – vide o steampunk e o próprio cyberpunk -, isso porque a proposta é apresentar um ambiente que é muito diferente ou desviado do que consideramos “comum” e “aceitável”, muitas vezes com altos níveis de violência e que ofende os “bons costumes”. O realmente é uma estética, um estilo musical e um tipo de atitude associada a essas coisas, tanto que a expressão “a coisa está punk” quer dizer “algo está ruim” ou que está “ficando agressiva ou perigosa”, porém há muito mais no Punk do que isso.

O Punk surgiu como um estilo musical e uma tribo como um novo movimento de rebeldia da juventude, dado que o Rock estava se tornando algo mais popular com a mídia e sendo algo mais aceitável para as famílias, portanto estava perdendo a sua essência contra a norma – o “sistema” – da época. Por isso, toda a estética dos punks – jaquetas de couro, roupas rasgadas, moicanos coloridos e chamativos, roupas com espinhos e correntes – foi criada como uma forma de ir contra a convenção social da época. O movimento rapidamente acabou ganhando ideologias ligadas ao anarquismo, principalmente na Inglaterra na década de 70, onde o alto nível de desemprego e de decadência econômica fez com que as bandas escrevessem músicas críticas ao governo e suas medidas.

Ser Punk, portanto, é ser crítico ao sistema imposto, não se conformar com as regras, e se rebelar contra elas. E é por isso que Leonel Caldela coloca “Punk” em “Cyberpunk”.

O Ozob que conhecemos nos Nerdcasts de RPG é completamente diferente do Ozob que conhecemos em Protocolo Molotov. Nos programas, Ozob é muito mais confiante e um tanto inconsequente com os seus atos, o que é natural visto que ele é um replicante que está com poucos meses de vida, então o que ele deixa para trás é irrelevante e o futuro a longo prazo não é necessariamente algo a se preocupar, o que realmente importa é a recompensa e a adrenalina que ele consegue no agora. O bordão dele de “Tu é babaca” inclusive caracteriza muito a sua personalidade, visto que quem vê muitos babacas no seu dia também é um babaca.

Toda essa babaquice e falta de “noção” a respeito das consequências a médio e longo prazo possui uma raiz, que é muito bem contada com todo sadismo e escatologia que esperamos de uma obra de Leonel Caldela, que aparentemente recebeu todas as liberdades para criar cenas nauseantes e agoniantes ao leitor.

O livro se inicia quando Ozob tem apenas mais dois anos de vida – que são preciosos e nenhum dia deles pode ser desperdiçado. Nesse momento, ele está na Terra – mais precisamente em Nova York, na Cidade Baixa, fugindo de Blade Runners – que no livro são chamados de “reguladores”. Durante essa fuga, ele se encontra com um grupo rebelde, uma banda Punk que se chama “War Rodies”, composto por: Vivika, a guarda-costas do grupo; Califórnia, a hacker e especialista em tecnologia; e Johnny Molotov, guitarrista e vocalista da banda. A missão dos War Rodies é utilizar da música do Johnny para incitar as pessoas a se rebelarem contra as grandes corporações que atuam como controladoras das pessoas através de propagandas e influência sobre a política e a economia.

Ozob acaba se juntando aos War Rodies e acaba criando o laço forte com a Califórnia, que crê fortemente na sua missão, porém suas ideias são totalmente centradas na figura e na música do Johnny, que não parece estar muito interessado em fazer muito esforço para que isso aconteça e apenas segue a Califórnia para todos os lados. Para Ozob, ajudar nessa missão parece ser a vida de emoções e liberdade que ele está procurando, mas esse objetivo logo se complica quando seu criador começa a caçar ele e sua irmã – Guzzo, que também está vivendo na Terra – para completar um contrato com a empresa que legalmente é dona dos quatro replicantes – a DataDyne -, e os War Rodies se envolvem nesse embate.

O livro conta duas narrativas em períodos de tempo diferentes: A primeira é no presente, com Ozob e os War Rodies fugindo e lutando da DataDyne e da família de Ozob; A segunda é no passado, contando como foi a vida de Ozob e sua família fora da Terra.

O passado de Ozob é trágico e sofrido, mostrando como ele foi alvo de violência e abuso, tanto por parte de desconhecidos como da sua própria família, encontrando conforto apenas em Guzzo, que também foi alvo de muita violência por ser trans. Em meio a vida de trabalho duro e violência, Ozob encontrou como sonho viver na terra, onde ele acreditava que teria mais liberdade e oportunidade para viver a sua curta vida como desejasse.

O Punk é muito bem trazido nesse livro, não apenas como uma atitude, mas principalmente com a música. Como dito anteriormente, a música Punk é crítica, então uma banda que realiza shows ilegais tocando esse tipo de conteúdo em um mundo controlado por propaganda – tal como ele é apresentado na obra – é problemático, portanto os War Rodies como um grupo rebelde legítimo é algo completamente viável, visto que a implementação de ideias de oposição pode fazer com que a rebelião contra as corporações possa crescer.

A leitura não é fácil. O livro é muito bem escrito e permite fácil compreensão, porém o seu conteúdo é difícil de digerir. A violência está muito presente, tanto de forma explícita como implícita, e em alguns momentos é nauseante, porém as páginas prendem sua atenção em um nível que fica muito complicado parar de ler. Claro, nem todas as cenas de combate foram feitas para te chocar ou para causar uma reação de repugnância – a cena em que Ozob conhece Oleg, por exemplo, é muito divertida. O único momento em que você larga o livro é quando você é vencido pelo cansaço.

Recomendo fortemente a leitura de Ozob: Protocolo Molotov para todos que possuem interesse na ambientação cyberpunk e têm estômago para digerir seu conteúdo.

Laura Giordani

Historiadora e estudiosa de imagens e mídias viciada em jogos, filmes, HQs, livros, podcasts, RPG, animes e séries. Quando não está tentando desvendar os mistérios da História e sua relação com as novas mídias, ou tentando navegar pelo seu quarto debaixo de pilhas gigantes de livros, pode ser encontrada em um canto meio iluminado jogando algum título da série Final Fantasy, Diablo, Elder Scrolls ou Pokemon. Sua preferência literária é vasta, porém há preferência pelos temas de fantasia, ficção científica, cyberpunk e terror. Suas mais notáveis habilidades são: ingerir dezenas de litros de cafeína sem ter um ataque cardíaco e tagarelar por horas sobre nerdices sem parar.