O Regresso – Crítica

Alejandro Gonzalez Iñáritu segue assinando seus filmes com sequência e planos longos que o fez ganhar o Oscar de melhor filme com Birdman. Para mim, tudo isso funciona melhor em O Regresso, onde consegue fazer o espectador sentir a agonia e o desespero do seu protagonista com excelente fluidez e ritmo.
O diretor também assina o roteiro (com Mark L. Smith), adaptado da obra de Michael Punke. O filme narra a tragetória de Hugh Glass (Leonardo DiCaprio) membro de um grupo de bandeirantes norte-americanos envolvidos com comércio de peles e formado por uma mistura de arquétipos desse tipo de narrativa, como o homem justo como Andrew Henry (Domhnall Gleeson) até o que viria a ser posteriormente típico texano “red neck” cheio de preconceitos, John Fitzgerald – interpretado de forma incrível por Tom Hardy. Mas isso é somente plano de fundo, já que o foco é a tragetória de Glass, que caminhará por belas locações americanas – congeladas em sua maioria – para matar aqueles que o traíram em busca de vingança.
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Os minutos iniciais nos chocam. Glass está caçando na densa floresta, guiando um grupo de bandeirantes, quando em um acampamento próximo há uma emboscada feita por guerreiros Arikara. Neste momento o diretor aproveita-se dessa câmera e nos leva a vivenciar o caos, de perto, intensamente. Perseguindo o personagem do soldado em confronto com índios (aqui inimigo dos americanos), mostra quase que em close ele ser atingido por uma flecha – que não vemos de onde vêm – até que troca para a visão do índio, e assim por diante pulamos de soldados para índios, vivendo cada um dos lados na luta. Nos insere dentro d’água para presenciar um afogamento, envolvente, intenso, realista em excesso, à flor da pele. Uma sequência muito bem coreografada.
 A partir daí você tem certeza que verá cenas de tirar o fôlego. Acredito que a melhor cena do filme vem logo depois, onde Glass luta pela sua vida contra uma gigantesca ursa. Uma cena imersiva que com a ajuda do plano sequência longo e sem cortes aparentes se torna angustiante. O imenso animal respira e embaça a lente, mancha com o sangue de Glass durante a luta, um ataque que devasta o personagem e quem assiste.
DiCaprio está incrível. Limitado a maior parte do filme a explorar expressões faciais e corporais, o ator indicado ao Oscar por esse papel convence e faz o espectador sentir cada ferimento (físico, mental ou espiritual) acumulado ao longo da narrativa.
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Aliado a uma fotografia belíssima pensada pelo premiado Emmanuel Lubezki, Iñárritu combina cenas contemplativas dos ambientes externos, que funcionam para marcar o tempo e para entendermos em que ambiente viviam esses personagens.
Quando Glass presencia um assassinato, angustiado por não poder se mover e evitar, subimos para o alto das montanhas, vamos acima, em meio às nuvens, como se a perda fosse comparável a estar em ar rarefeito. A imagem carrega o significado da dor e é sublime ao mesmo tempo, sinestésica.
Aproveitando-se ainda dessas paisagens primitivas, Iñárritu nos leva constantemente para o subconsciente de Glass, em sua maioria confuso. Mas conseguimos entender sua dor e construímos a vontade de vingança junto com o personagem.
O Regresso
A longa jornada tem seu início. Desorientada e desgastante, mas com sensibilidade. Já que ele torna interessante ver o encontro de um índio com Glass, que compartilha um fígado de um búfalo ainda quente, recuperando no personagem uma certa inocência (digna dos nativos) de lidar com a natureza. Após seu auxilio, há o retorno para o combate.
Neste ponto a direção peca em alguns momentos pelo exagero. Presenciar lutas com câmeras próximas ao rosto dos personagens é cansativo e há uma extensão desnecessária para as longas caminhadas de Glass. São duas horas e meia de filme onde você se pergunta se já não estava suficiente tamanha repetição de perseguições.
DiCaprio compensa o espectador mantendo uma atuação intensa, resiliente e determinada. Até o final expressa de maneira inquestionável sua dor e raiva. O Oscar será merecido pela performance feroz e comprometida. Mesmo em silêncio, ele traz uma carga interpretativa que não poderia ser melhor para seu personagem. Há pouco texto e mesmo assim se não existisse, não faria diferença. A emoção está lá, focada.
John Fitzgerald de Hardy também não se esquece facilmente. É o único com um senso de humor, sarcástico mesmo enfrentando seus últimos suspiros. Ao improvisar ameaças e argumentos para conseguir sucesso a sua própria maneira, principalmente para garantir sua sobrevivência, esquece-se da honra. Hardy quase ofusca o brilho de DiCaprio para si. Você ri e sente extrema raiva com Fitzgerald, outra atuação impecável.
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Em O Regresso, Inñáritu consegue construir sua narrativa de forma cíclica. Inicia nas águas do Rio Missouri e termina nelas ao alcançar a vingança de Glass. É uma história visceral, densa, complexa e fará você segurar seu fôlego diversas vezes. Sobretudo ao unir a vingança da forma mais crua e sublime, direcionando o espectador para questões espirituais e de renascimento.

Trailer :