Análise | Life Is Strange 2: Episódio 1: Roads

Life Is Strange é um título que já amplamente associado a fortes emoções e sentimentos conflitantes. A Dontnod em parceria com a Square Enix fazem um trabalho tão minucioso nesta IP que falar da franquia sem absorver pelo menos um pouco de toda essa carga emocional seria, no mínimo, estranho, sem qualquer trocadilho implícito. Se o primeiro jogo chegou como novidade e surpreendeu a todos positivamente, Before The Storm, em  forma de prequel, aprofundou-se ainda mais naquele universo tão querido e destroçou mais uma vez nossos corações. E este ano um novo ciclo se iniciou, primeiro com The Awesome Adventures of Captain Spirit, uma amostra jogável – e muito bem feita –  daquilo que estava por vir em Life Is Strange 2, tão aguardada sequência, que analisaremos agora.

Sequência ou novo jogo? 

Um pouco dos dois. Life Is Strange 2 se passa no mesmo universo do primeiro jogo, após os acontecimentos deste. Inclusive, há um questionário a ser respondido antes mesmo de começar a jogar, sobre suas ações no jogo anterior – e, caso ainda não o tenha feito, é melhor fazê-lo o quanto antes, pois o questionário contém spoilers – , como a escolha do final, por exemplo, que terá efeitos visíveis na jornada, dependendo do que você escolheu. Mas trata-se de uma nova história, complexa e cheia de seus próprios detalhes.
Nem Max, nem Chloe, nem Arcadia Bay. Os irmãos Sean e Daniel Diaz são os nossos protagonistas aqui. Vamos conhecê-los.
Sean (17) é um típico adolescente hispânico-americano; frequenta o colégio, tem uma melhor amiga chamada Lyla, e seus próprios interesses amorosos. Atleta, corredor por esporte, sempre dá o seu melhor, mas acha que não é o suficiente. Tem dotes artísticos, desenha muito bem, mas apenas por hobbie.

Daniel (9) é tudo que se espera de uma criança de sua idade; curioso, inocente, cheio de energia, alegre e com uma grande imaginação. Se inspira no irmão mais velho e tem uma queda infantil por Lyla. Joga Minecraft e assiste desenhos.

Ambos têm um relacionamento muito bom com o pai – solteiro, que cuida dos dois sozinho – , mas não tão bom entre si a princípio. Coisa de irmãos. Quem tem, vai entender. Moram em Seattle – (não?) por acaso, mesma cidade para qual Max se mudou – e levam uma vida tranquila, típica do que se espera de dois irmãos naquela idade. É véspera de Halloween e Sean se prepara ansiosamente para uma festa que acontecerá naquela noite, principalmente por ser sua chance com a garota que gosta. A primeira hora de jogo mostra esse cotidiano na pele do jovem de 17 anos, e é exatamente o mesmo que se viu no gameplay de 12 minutos liberado pela Dontnod na Gamescom deste ano.
 
Pedir dinheiro ao pai, pegar bebidas e petiscos são alguns dos objetivos mundanos que o jogador deve completar neste prólogo, que apresenta os novos elementos de jogabilidade e cuja normalidade contrasta fortemente com a jornada por vir. Quem já viu o referido gameplay sabe que é após um trágico incidente que o mundo ordinário dos irmãos Diaz desaba completamente e eles se vêem obrigados a fugir em direção ao sul do país, em uma aventura cheia de obstáculos que se inicia.
 

Gráficos e jogabilidade

Após este breve resumo do prólogo, é hora de deixar a trama de lado por um momento e focar em fatores técnicos, afinal, por mais fácil que seja esquecer desse detalhe, Life Is Strange 2 ainda é um jogo. E como jogo, também brilha. Como já foi observado em Captain Spirit, os gráficos seguem mais aprimorados que nos títulos anteriores, resultado da gradual mudança de engines, da Unreal 3 (Life Is Strange 1) para Unity (Before The Storm), e finalmente, para a poderosa Unreal Engine 4, que mostra muito bem seu potencial aqui. O contraste entre personagens, objetos e elementos de cenário é gritante, evidenciando que, apesar de todo potencial do motor gráfico, algumas coisas são animadas de forma diferente, mais minimalista, como uma escolha artística, que funciona muito bem e já é característico da série. Arte, inclusive, que teve um grande upgrade neste título. O art design dos cenários por onde Sean e Daniel passam são formidáveis e geram paisagens belíssimas – principalmente na floresta – , verdadeiras pinturas dignas de ornamentar qualquer parede.
[su_slider source=”media: 21223,21222,21221,21237,21238,21239,21240,21241,21242″ width=”840″ height=”480″ title=”no” speed=”800″]
Já no quesito gameplay, também há melhorias evidentes em relação ao primeiro jogo, mas bem parecidas com o que já foi mostrado em Captain Spirit, só pra ter uma ideia. No controle de Sean Diaz, o jogador pode explorar livremente o cenário e interagir com objetos, adquirindo informações e pensamentos que podem ou não ser úteis posteriormente. Até aí, nada de novo pra quem conhece a série. A novidade fica por conta da interação de Daniel, irmão mais novo, com os mesmos objetos. Sean pode chamar seu irmão para discutir ou ensinar alguma coisa sobre o cenário com o qual está interagindo, tornando-os mais próximos. Outro recurso interessante de interação com os cenários é que, assim como Max tirava fotos e Chloe fazia pichações, Sean pode sentar-se e desenhar o que está vendo em seu caderno, mostrando que Life Is Strange traz arte, inclusive pelas mãos de seus protagonistas.  A localização em PT-BR está muito bem feita, contando com gírias e linguagem de internet, comum entre jovens daquela idade, sem atraso ou dessincronização nas legendas. A UI (User Interface) também segue melhor aqui, podendo o jogador examinar o conteúdo da mochila de Sean, que acaba ganhando novos itens à medida em que a jornada avança e revela mais da história dos personagens, sendo possível também customizá-la com bottoms, chaveiros e adesivos coletados durante o jogo.
 
Há muito o que fazer, muito o que explorar e, claro, muito o que decidir. E além do já tradicional peso em suas escolhas, agora há também uma responsabilidade em suas ações, uma vez que na pele do irmão mais velho, é dever de Sean orientar, ensinar e dar bons exemplos a seu irmão mais novo, pois ele está, de fato, aprendendo com seus passos. Então é bom ter isso em mente antes de fazer alguma coisa, pois, sim, haverão consequências no futuro.

Uma jornada, dois caminhos

Aspectos técnicos de lado, é hora de voltar a encarar Life Is Strange como a jornada emocional que é. Durante seu percurso até a fronteira, Sean e Daniel vão cruzar o país de norte a sul (literalmente), tendo que sobreviver na estrada sozinhos e com pouco dinheiro, precisando acampar e se virar na floresta, por exemplo.
    
E é aqui que entra a mão da Dontnod fazendo o que sabe fazer melhor com a franquia: a criação de personagens, o contraste – sutil e brusco –  entre bons e maus momentos e a empatia proporcionada. Sean e Daniel vão passar por dificuldades, mas sua relação há de se fortalecer diante dos obstáculos, e os momentos de ternura se entrelaçam com os de tensão. É fácil se ver na pele dos irmãos Diaz, mesmo sem ter passado por situação parecida com a deles, principalmente se você tem irmãos. O mais incrível aqui é como Sean e Daniel não possuem tanto carisma quanto Max ou Chloe individualmente, mas juntos se completam de forma única, tão perfeita é a dinâmica entre os dois. Como em todos os ‘jogos’ da série, há um grande toque de realidade aqui, e é exatamente isso que nos faz esquecer que se trata de um game, e não de uma experiência real.

Há também uma pincelada de humanidade (para bem ou mal) nas situações em que os irmãos Diaz vão se deparar. Além das pessoas que vão encontrar no caminho, há também a possibilidade de escolhas morais a serem feitas, como a de ter que pedir comida ou furtar para comer – e como dito antes, essas escolhas vão influenciar o comportamento do pequeno Daniel. Em contrapartida de toda realidade mostrada aqui, há ainda o fator sobrenatural e metafísico, sim, de volta nesta sequência desde o primeiro jogo. Não, não se pode voltar no tempo e refazer as escolhas aqui, mas existe a descoberta de um elemento sobrenatural que pode afetar diretamente o rumo das coisas, pelo menos nos próximos episódios, afinal, a jornada está apenas começando.
 

Conclusão

No final das contas,  o primeiro episódio dessa nova temporada, Roads,  faz jus ao subtítulo e mostra com muita verossimilhança como é a vida na estrada e seus obstáculos.Mas o título Life Is Strange carrega muito mais do que isso. Se no primeiro nos foi retratada a experiência de ser uma adolescente e todos os dilemas que vêm com a idade (relacionamentos, faculdade, escolhas), além de uma trama muito bem amarrada e cheia de mistérios e poderes sobrenaturais, em Life Is Strange 2 já dá pra ver que o foco é na relação fraternal, retratada aqui com maestria. Há elementos sobrenaturais e podem haver mistérios, mas em um primeiro episódio é muito cedo para dizer o caminho que a série vai tomar. O que dá pra dizer, com certeza, é que as pouco mais de três horas de jogo neste episódio já trazem uma carga emocional que ficam com o jogador mesmo após o seu término, resultando em uma experiência única e envolvente. Mas o jogo não é para todos. diante da classificação indicativa para maiores de idade de acordo com os órgãos responsáveis nos EUA e Europa(17+ ESRB/18+ PEGI, respectivamente), há a predominância de temas adultos e referências a drogas, álcool e conteúdo sexual, além dos próprios questionamentos e dilemas, que se comunicam muito mais com o público adulto, mostrando que o jogo faz muito mais sentido para quem já passou por tudo isso do que para quem ainda está passando. Em todo caso,  prepare-se para sentimentos mistos, pois em Life Is Strange a felicidade e a tragédia andam de mãos dadas.
 
O jogo foi testado em cópia cedida pela Square Enix. Life Is Strange 2 tem seu primeiro de cinco episódios chegando amanhã, 27/09, para PS4, Xbox One e PC.