Ball Jointed Alice – Priscilla Matsumoto – Review

Não me levou 10 páginas para me apaixonar por Ball Jointed Alice.

 Ball Jointed Alice Priscilla Matsumoto Verta Meia Lua Draco Review Critica Literatura

Escrito por Priscilla Matsumoto (@balljointedpuri) e publicado pela editora Draco, Ball Jointed Alice tem 228 páginas de insanidade, sanidade e muito país das maravilhas.

Para ser pragmático, como Frank, e também garantir até onde posso falar sem spoilers, segue o sumário pela própria editora:

Frank é um homem sem esperança nenhuma. Um punk com um passado insano que, numa manhã de ressaca, acorda com uma boneca lhe desejando bom dia. Ele sabe bem quem é essa boneca e como ela se chama. Alice é uma ball jointed doll criada por Frank em seu projeto mais ambicioso: recuperar as memórias e os sentimentos por uma louquinha de mesmo nome. Mas ao tentar puxar a linha da lembrança do embolado novelo que é o passado, Frank acaba puxando a linha da tragédia. Acompanhado por seus antigos companheiros de hospício: a gothic lolita Tay, o estudante de direito Shin e a sociopata Emi, ele se envolve em um plano de vingança contra o hospital que os massacrou a alma e levou Alice à morte.

Por onde começar? Essa obra mexeu em alguns botões meus que fico até perdido. Acho que vale eu mencionar, para que todos entendam, o quão aficionado eu sou por Alice no País das Maravilhas e Através do Espelho. Eu não tenho ideia de quantas vezes já reli as obras de Carroll e vi os filmes, assim como meu primeiro trabalho de iniciação científica foi um estudo lúdico e arquetípico do País das Maravilhas. Com isso fica claro que vai ser difícil ser imparcial aqui, mas irei conseguir.

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O enredo da obra, como mencionado acima, gira em torno de Frank em basicamente duas localidades, dentro e fora do hospício. Conseguimos, através das palavras da autora, mergulhar profundamente no intelecto da personagem principal e como funciona sua visão de mundo, o que, no grande geral, é extremamente benéfico para o leitor. Entretanto, e aqui estou eu tentando ser imparcial, isso acaba se perdendo em alguns pontos.

Metáforas estão espalhadas em cada esquina do livro, assim como um véu muito sutil que separaria o fantástico do mundano. O grande foco desse jogo é a própria Ball Jointed Alice, que desde o começo do livro tem vida própria e é vista e escutada por outras personagens. Possuindo tais características, algumas vezes eu me senti retirado da imersão total que estava, em momentos que, por tentar usar esses argumentos e ferramentas, senti uma quebra de ritmo, assim como trechos que ficaram mais soltos.

A não ser que tais quebras sejam intencionais, trazendo um desconforto proposital e um simulacro à certas situações vividas, uma vez que boa parte das metáforas e metonímias usadas são excelentes!

Quis frisar essa questão de ritmo, pois Ball Jointed Alice é escrito com muita maestria. Simplesmente foi deliciosamente perturbador me envolver com tudo aquilo. A estória, mesmo tendo traços fantásticos, é humana e profunda, me arremetendo às sensações e pensamentos que tive ao assistir “Garota Interrompida” (1999). Sim, foram pausas para absorver as nuâncias.

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Dentro da questão da escrita, algo mais me chamou muita atenção durante as descrições. Na obra de Carroll, assim como no Mágico de Oz, você tem um contraste entre o mundo maçante e cinzento da realidade e o coloridíssimo e vívido mundo fantástico, no entanto, em Ball Jointed Alice, o contrário é jogado na sua cara. O hospício não é negro e tenebroso como o Asilo Arkham, nem claro como o que existe na minha cidade, mas cinza e sujo, muito mais real e podre do que as descrições das cenas fora dele. O que inverte os valores das obras clássicas da Alice e mostram o real tom da narrativa.

Existe um cuidado enorme também, assim como ocorre com a ambientação, com o desenvolvimento das personagens. Olhando para trás, percebo que a história central poderia ser contata rapidamente, em poucas dezenas de páginas, e que não seria algo tão divertido e prazeroso de ser consumido. Felizmente, para aqueles que gostam de tal envolvimento, Priscilla nos abre cada uma das pessoas e disseca suas mentes para nós. Me dei conta de que me lambuzava de tais informações assim como Frank dos corpos de seus amigos, com a mesma excitação e desejo.

Senti, inicialmente, que montava um elaborado quebra-cabeça, tendo como centro a doença psicológica de cada um, mas, assim como no jogo, chegou um ponto no qual cada parte ia se mesclando e encaixando com as outras. Passei das relações individuais, para relações de trios e quartetos de personagens e quero acreditar que isso surgiu de modo orgânico, uma vez que os personagens pareciam vivos demais para poderem estar seguindo um script restritivo.

Apenas um personagem ficou faltando ser melhor trabalhado, se visto em comparação com os outros. O hospício. É muito difícil detalhar meus sentimentos sobre isso sem jogar algum spoiler, então serei bem vago. O hospital deixa de ser um cenário no momento em que a vingança dos protagonistas é focada nele. Ele, obviamente com algumas pessoas também, é a representação base de todo o sofrimento e desgosto que passaram, de toda raiva que sentem e de ser o grande “mal” da história. Por isso, fiquei desejando saber mais dele, mais de como as coisas aconteciam lá, como respondia às ações dos personagens, principalmente no final.

Sinto que ele foi renegado como algo vivo e importante, mas busquei dentro dos detalhes que foram me dados alguns vislumbres e estou decidindo ainda quem é meu favorito, mas o Hospício tem grandes chances.

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Para encerrar, gostaria de fazer algumas menções honrosas:

– Os trechos de textos, músicas e poemas no início de cada capítulo chamam atenção não só por ter relação com aquele trecho, mas por terem relações com as personagens, sendo claramente coisas que eles leriam e escutariam.

– Os títulos merecem uma atenção ímpar. Eles podem parecer spoilers dos seus respectivos capítulos, mas existe algo muito mais profundo. Quando se vai aprendendo a relação entre Ball Jointed Alice e Frank, é possível perceber como o subjetivo do título permeia os acontecimentos, dando ainda mais riqueza.

– O uso de frases dos livros de Lewis Carroll. Como toda obra intertextual que se preze, Ball Jointed Alice mostra o quanto tem dos livros originais e quanto isso pode ser deturpado e distorcido pela criatividade.

– Gato de Cheshire FOR THE WIN! Me ganhou, e isso vale como algo pessoal, no valor que Priscilla deu para essa personagem. Não podia deixar isso passar.

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Enfim, não há mais o que fazer a não ser indicar que leia essa obra maravilhosa, mas sabendo que vale muito a pena conhecer os dois principais livros de Carroll, Aventuras de Alice no país das maravilhas e Através do espelho, antes de fazer isso, para deixar Ball Jointed Alice ainda mais rico e saboroso.

Deixo meu enorme e caloroso abraço, além do link do livro e o trailer do Garota Interrompida (que é insano também).

[su_youtube url=”https://www.youtube.com/watch?v=9mt3ZDfg6-w” width=”1280″ height=”720″]https://www.youtube.com/watch?v=-1uKij5UWvw [/su_youtube]

One thought on “Ball Jointed Alice – Priscilla Matsumoto – Review

  • 21/06/2016 em 08:21
    Permalink

    Excelente resenha para um excelente livro. Num determinado momento do livro achei que o personagem Frank era ele mesmo o tempo inteiro. Capisce?

Fechado para comentários.