Dead Cells – Review

Desafios, frustração e diversão.

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Após um ano no purgatório do Early Access exclusivo da Steam, Dead Cells vendeu mais 1 milhão de cópias, conseguindo números expressivos o suficiente para ascender ao mercado multiplataforma e chegar com força total aos consoles em sua versão final. O jogo é desenvolvido e distribuído pelo estúdio independente francês Motion Twin, que o classifica como “Roguevania” (uma mistura entre os gêneros Roguelike e Metroidvania – nomenclatura esta que, veremos adiante, não está totalmente correta).
Do que se trata? 
Dead Cells é um jogo de ação e plataforma 2D no melhor estilo roguelike, ou seja, os mapas e itens são gerados proceduralmente cada vez que o jogador começa o jogo ou morre, fazendo tudo resetar para mais um level gerado aleatoriamente. Você definitivamente não quer morrer em Dead Cells, mas vai, muitas e muitas vezes. Faz parte da experiência. A história não tem muita importância em um jogo cujo foco é a ação, mas existe, de certa forma. Em Dead Cells, você controla um prisioneiro que já está morto, e como perdeu a cabeça, não pode mais morrer definitivamente, sendo obrigado a retornar ao mesmo ponto sempre que cair em combate. Mais detalhes do background do cenário em que o game se passa vão sendo revelados à medida em que o jogador encontra pistas ao longo do jogo, mas isso é inteiramente opcional e nada acrescenta ao plot quase que inexistente, embora seja interessante.

Gráficos e gameplay
Tecnicamente, o jogo é quase impecável. O level design e a arte feitos à mão trazem beleza à nostalgia dos gráficos pixelelados muito bem polidos com animações em 3D. O “quase” aqui fica por conta de alguns probleminhas com a câmera, que em certos momentos parece não conseguir acompanhar o personagem ou desfoca dele completamente, para retornar em seguida. Nada que atrapalhe a experiência, mas vale a pena ser comentado.

Quanto ao gameplay, também quase não há falhas perceptíveis aqui. A jogabilidade, cujo foco está na ação, é fluída e frenética, os controles respondem perfeitamente bem e o combate é muito bem balanceado. A UI é simples e eficiente, podendo o jogador customizar quase tudo à sua preferência, desde o idioma e controles, até mesmo ao estilo das comidas que encontra durante o jogo (de carnívoro e vegetariano até “castlevaniesco“). Novamente, o ‘quase’ está nos detalhes, e aqui ocorre na tradução para o o português, que embora bem localizado, por algum motivo o jogo deixa de traduzir algumas palavras, como os status de elementos, o que torna o texto um pouco estranho (por exemplo, um dos itens tem os dizeres: “Faz os inimigos burn“).
Matar, morrer, aprender, repetir
Você começa a jornada podendo escolher entre um arco ou escudo como arma secundária – o primeiro para ataques à distância, e o segundo para bloqueio e parry –  , mostrando que o jogador pode montar seu arsenal de acordo com o estilo de jogo ao qual melhor adequa-se,  e ao longo do percurso vai encontrando e desbloqueando mais das 80 armas e acessórios presentes no jogo, cada uma delas funcionando de maneira diferente, ideais para diferentes ocasiões. É extremamente gostoso e satisfatório dilacerar os inimigos das diversas maneiras possíveis, por exemplo, atacar um com a espada, rolar para desviar dos ataques do próximo, deixar uma armadilha, se posicionar atrás deste, congelá-lo e ver o dispositivo plantado em sua frente fazer o resto do trabalho – tudo em questão de segundos.  E estes movimentos vão ficando mais rápidos e intuitivos à medida em que o jogador vai masterizando as mecânicas do jogo, executando ações que parecem aleatórias mas foram meticulosamente planejadas.
 



Os mapas aqui são chamados de Biomas, e são 13 ao todo. O progresso não-linear ocorre da seguinte forma: Cada Bioma possui duas saídas, sendo uma delas acessível apenas através de alguma habilidade especial, coletada em outro caminho alternativo, seja deste, do próximo, ou do Bioma anterior. Tal mecânica faz com que o jogador tome diferentes caminhos e seja recompensado – ou não – por isso, tornando a experiência nova cada vez que seja joga, uma vez que todos os mapas são gerados proceduralmente. Você pode, por exemplo, começar na prisão, descer para os esgotos, subir para a ponte, enfrentar o primeiro dos quatro chefes presentes no jogo, e chegar à torre do relógio… tudo isso para morrer, ao menor descuido, para o próximo inimigo… e perder para sempre as armas, acessórios, células e tudo mais que foi arrecadado. O que não se perde, entretanto, é o aprendizado, e cabe ao jogador reunir forças para começar de novo, coletando células para gastar em melhorias – que não se perdem – , avançar aos poucos até a próxima morte, que certamente virá a ocorrer cedo ou tarde. Por mais frustração que cada morte possa trazer, a jogabilidade é tão divertida que você não quer parar, quase como uma Síndrome de Estocolmo em forma de jogo.



Mais Rogue do que Vania
Conforme mencionado supra, a nomenclatura “roguevania” não parece totalmente correta diante do que é apresentado no gameplay, eis o porquê: Apesar ter Castlevania como uma das principais inspirações, tanto na ambientação, quanto na maneira de jogar, os elementos roguelike acabam atropelando o pouco de metroidvania presente em Dead Cells. O jogo conta com quatro habilidades permanentes que permitem ao jogador alcançar novos lugares, mas isso pouco adianta se o mapa está sempre mudando e sendo gerado aleatoriamente. A sensação de exploração permanece, mas a de descoberta se perde em meio à de ver o mesmo ambiente sendo repetido várias e várias vezes, principalmente pela ausência quase completa de backtracking, e é apenas após adquirir a última das quatro habilidades que o jogo volta a ter a experiência de descobrir algo novo – isso se o jogador conseguir coletá-la, já que todas as habilidades únicas estão em caminhos alternativos e, teoricamente é possível terminar o game sem elas. Dead Cells é muito mais roguelike do que metroidvania; ainda que pegue emprestado alguns elementos deste último estilo, o foco maior claramente está no primeiro, resultando numa mistura nada homogênea dos dois gêneros. O problema aqui é a falta de clareza na proposta em se vender de forma não tão precisa. Jogos mais tradicionais dos estilos Souls Like e Rogue Like (como Salt And Sanctuary e Rogue Legacy, respectivamente) fazem muito bem em deixar claro desde o começo qual é sua proposta, e dada a mistura de gêneros, o mesmo não acontece aqui, infelizmente. Quem chegar em Dead Cells só pelo metroidvania dificilmente vai continuar pelo mesmo motivo, que não se encontra lá em sua plenitude. Claro, isso pode incomodar um pouco alguns dos mais entusiastas do gênero (como eu), mas em nenhum momento chega a ser um demérito do jogo como um todo, pois, como já foi dito, o mesmo é extremamente divertido e viciante.


No final das contas, Dead Cells traz dificuldade e diversão em doses bem equilibradas, e apesar dos poucos problemas que apresenta, é um título que se sobressai pela qualidade técnica e empírica, sendo difícil parar de jogar apesar das repetidas mortes e perdas. Certamente não é um jogo para todos, mas cumpre muito bem sua proposta – ainda que confusa, pelo menos a princípio – e promete elevar os níveis de adrenalina e tensão ao limite e agradar tanto os amantes do gênero roguelike, quanto aqueles que buscam bons jogos desafiadores.
Dead Cells chega nesta terça (07/08) para PS4, Xbox One, Nintendo Switch e PC.