Kingdom: Two Crowns é um belo RTS e um clássico escondido | Análise

Uma das coisas boas de ser jornalista de games é que algum jogo que você ignorou no meio da enxurrada semanal de lançamentos eventualmente cai na sua mão.

Kingdom é um desses títulos que não me chamou a atenção com seus gráficos em pixel e descrição não muito detalhada. Graças aos bons deuses do joystick, o lançamento do novo update me deu a oportunidade de testá-lo e, em meio ao isolamento social, dedicar cerca de 15 horas ininterruptas para só arranhar a superfície deste surpreendentemente excelente RTS.

Como fã de Age of Empires, é difícil ver um jogo com uma abordagem tão diferente, complexa e completa em um game tão diferenciado, de um estilo de jogo tão bem estabelecido e representado,mas a Raw Fury cosneguiu.  É difícil, meus queridos, mais difícil do que se imagina, mas eles conseguiram.

Um reino partido

Ver seu reino crescendo é bem recompensador

Kingdom: Two Crowns não se importa muito em contar uma história e as poucas coisas que se podem aferir vem da sua percepção. Seu personagem é um rei/rainha em exílio e precisa reconstruir seu reino, livrando 5 ilhas de um arquipélago de criaturas conhecidas como Greed (Ganância), monstros se tornam maiores e mais perigosos quanto mais sucesso você tem.

Cada ilha tem pequenas características singulares, representadas normalmente por um belo plano de fundo que pode ou não representar algo na história, de acordo com suas percepções.

Dito isso, é preciso destacar a beleza visual e artística do jogo. Nenhuma foto faz jus ao quão belo o jogo é rodando, num estilo de arte similar ao que se viam em jogos de 32 bits, ainda que simplificado. Composto por 3 “biomas”, que são o jogo original inspirado na idade média, Shogun que trás visuais inspirados no japão feudal e o recém lançado Dead Lands, em uma parceria com Bloodstained.

A arte em pixel é muito bem animada e executada e vários efeitos visuais são aplicados de forma interagir com o gameplay. No final das contas, apesar de não ser muito chamativo em prints, o jogo é belíssimo em movimento (para quem não tem problema com arte retro).

Uma moeda para todos governar

Passear na floresta, encontrar pedintes, encher o bolso… É o ciclo da vida

Mas não tem como falar do visual sem atrelar a jogabilidade, uma vez que tida a estrutura do jogo depende de cada ponto da tela.

Na linha central da tela, fica a parte principal do jogo, com seu personagem e as estruturas que compõem a parte interativa: toda a ação fica centralizada na tela, de forma que fica fácil absorver a ação.

Acima, um plano de fundo em um belo efeito de paralaxe serve como relógio natural e dá dicas de como o clima vai estar, além de sofrer ação direta deste enquanto parte de baixo exibe um belo efeito de reflexo em um espelho dágua, além de sofre pequenas alterações e interagir um pouco com o gameplay.

A jogabilidade em si é simples ao extremo, usando apenas 4 botões: o direcional, um botão para interação, um botão de correr e um botão de ação especial.

Mas a realidade é que a simplicidade acaba nos controles: o básico da jogabilidade é explicado por um fantasma de um antigo rei e depois disso o jogo te deixa para descobrir como funcionam suas nuances. Nada é explicado e o jogo nunca te leva pela mão, que me levou várias vezes a becos sem saídas… ou quase.

Quando a noite cai, o caldo engrossa

A mecânica básica é simples: tudo é feito a partir de moedas. Uma moeda jogada a um andarilho leva ele para a cidade. Moedas são dadas a chefes de marcenaria que criam ferramentas que transformam um morador em marceneiro. Levantar um muro custa moedas, cortar arvores também.  E tudo resulta e mais moedas.

Montado em uma criatura (que pode ser uma cavalo, um urso, uma iguana e até um unicórnio ou um grifo) você percorre o mundo em um scrolling lateral, recrutando pessoas, definido funções , criando estruturas, usando apenas moedas geradas por outros personagens. O engraçado e divertido é que o limite de moedas que você pode carregar são representados por uma bolsinha na tela. Quando a bolsa atinge o limite, qualquer moeda coletada cai da bolsinha… e pode cair no lago!

Diferente dos outros RTS, você não faz muito além de definir funções e alguns serviços, como levantar uma parede, consertar um barco ou cortar uma arvore. Fora definir essas ordens, todo personagem da vila funciona meio que de forma autônoma: Você não define que lado um arqueiro vai defender ou de onde vem o carpinteiro para levantar o muro, se ele vai correr, andar ou se é hora do fazendeiro trabalhar.

Destruir os portais é o unico objetivo, mas não é fácil

De fato, o jogo força algumas situações incomodas sem explicação, o que leva a alguma frustração e faz com que as vezes você desista de um objetivo e passe para o próximo, o que te leva a descobrir uma nova mecânica que resolve um problema lá atrás e faz com que você vá e volte entre as ilhas.

Eventualmente, o tempo pode atrapalhar: dias chuvosos impedem de enxergar o sol cruzando o céu, o que pode levar seus cidadãos a ficarem tempo demais fora dos muros, ou até mesmo você. O outono chega e destrói as plantações. O inverno faz com que todos os animais se escondam, diminuindo a quantidade de moedas que entra na bolsinha e dificultando o processo de progressão. A neblina encobre a tela de jogo e dificulta enxergar quem está aonde fazendo o que. Fora que a passagem dos dias deteriora o estado das ilhas onde você já passou.

O objetivo do jogo é simples: expandir a cidade até os limites do mapa. O ciclo de dia e noite é importantíssimo: quando a noite noite cai, monstros conhecidos como Greed atacam as mulharas. Quanto maior e mais próspera é a sua cidade, mais monstros e mais poderosos atacam os muros. Cada lado do mapa tem um portal e você precisa destruir os dois portais para liberar a ilha do mal e se considerar vitorioso.  Se os monstros atacarem o rei, a coroa cai e se ela for levada, é game over

Tudo é muito complexo e leva tempo para fluir. Mas depois que flui, é uma delicia. E o Two Crowns do título serve apenas para mostrar que agora, podemos jogar comum amigo em tela dividida ou online.

Two Crowns por que dá pra 2!

Erguer um reino leva tempo

A realidade é que o processo todo leva tempo e a ausência de um tutorial faz falta. Muita coisa vem de tentativa e erro mas, mesmo quando o progresso é pequeno, só o prazer de ver as estruturas funcionando, a cidade crescendo e prosperando e de descobrir novas paisagens vale a jogada. Em poucas horas você descobre como viajar entre as ilhas e a cada nova ilha vem novas mecânicas.

Em cerca de 10 horas de jogo, cheguei na terceira ilha, quase sem nada feito nas duas anteriores, para descobrir que um novo item podia ser usado nas anteriores e abrir novas possibilidades. Voltar é um processo demorado se não souber como facilitar, mas sempre abre recursos valiosos que permitem progredir,

Poderia ser maçante ou frustrante e algumas vezes é (reiniciei o jogo todo achando que tinha pego um bug, mas não era), mas a real é que as 10 horas passaram praticamente sem sentir e isso é um ponto muito positivo (ou negativo se você tinha algo importante pra fazer).

Dito isso, é válido dizer que o jogo é um jogo de nicho e pode não ser uma experiencia pra todos.

Vale a pena apreciar a beleza de uma boa Pixel Art

Vida longa ao Rei

No final das contas, Kingdom: Two Crowns é um viciante RTS e perfeito para ser jogado no console ou no celular, onde os poucos comandos foram bem ajustados (No celular, se chama Kingdom: New Lands).

Fãs do gênero tem a oportunidade de observar a mecânica já testada a exaustão por títulos como Warcraft, Starcraft e Age of Empires por um novo prisma.

Ainda sim, o progresso pode incomodar alguns, pois ao invés de levels curtos e objetivos mais variados, temos longos skirmish com proposta mais fixa, variando apenas pelos cenários gerados aleatoriamente.

A ausência de um tutorial acaba tornando tudo mais complexo do que deveria ser, mas quando você se dá conta, já passou mais tempo do que deveria nele… E resolve esperar mais uma horda para ver se o seu muro aguenta, por que o prazer de ver seus aldeões trabalhando e  tudo crescendo trás aquele calorzinho que só os grandes clássicos conseguem trazer.