Análise | Stygian: Reign of the Old Ones

Nem sempre os jogos que colocam a proposta de contar algo no estilo Lovecraftiano consegue alcançar essa meta, muitos acabam se focando na premissa que existem monstros e aberrações que só de olha-los é possível enlouquecer, acabando por transformar o gameplay em combate. Tal coisa não se limita a tanto em Stygian: Reign of the Old Ones.

Para os fãs da literatura de H.P. Lovecraft, Cthulhu Mytos e do gênero Horror Cósmico, Stygian possui temas e elementos muito familiares com os apresentados nos trabalhos do gênero, tanto que a intro do jogo já começa ressaltando a “benção da ignorância” e a insignificância do jogador perante o grande escopo do universo. O trailer de lançamento do jogo inclusive reforça que o personagem do jogo em sua busca por respostas e por maneiras de compreender a realidade no qual ele se encontra faz está adotado a abordagem errada na situação, que seria mais coerente simplesmente aceitar o pouco que sabe e sobreviver como puder.

A intro do jogo

Ambientação e História

Realmente, o ambiente da cidade de Arkham é típico de um mundo pós-apocalíptico, porém com aquela pitada de terror cósmico. Em Arkham, após o Black Day (Dia Sombrio), quando a cidade foi transportada para outra dimensão – onde monstros e horrores inimagináveis se tornaram uma presença e perigo constante -, os moradores que sobreviveram o evento se apegaram ao que restou de sua sanidade, sucumbindo a vícios e fazendo o que puderem para sobreviver. Inclusive, alguns passaram a cultuar os deuses antigos e os horrores que fazem parte da nova realidade da cidade, vendo em sua adoração uma forma de salvação.

O Black Day também encerrou a vida em sociedade como conhecemos em Arkham. A organização administrativa da cidade não existe mais – o que significa que não há hospitais, governo ou polícia para manter a ordem e amparar a população – sendo substituída pela Máfia, que mantém seu poder através do medo e da violência. Dinheiro também perdeu seu valor, tanto que a moeda de troca se tornou cigarros, o que casa com o conceito que os habitantes estão se apegando a objetos e vícios que os ajudem a lidar e escapar da situação em que eles se encontram.

Sistema de comércio em Arkham pós Black Day

Esse é outro fator importante: os habitantes estão constantemente expostos aos horrores da cidade e estão aos poucos enlouquecendo. Tudo que eles conheciam desapareceu de repente no Black Day, e as lembranças da vida como era estão cada vez mais distantes, então muitos se apegam a atividades, metas, vícios e objetivos para manter-se lúcidos. Porém, cada vez mais esses elementos se tornam menos efetivos, o que pode fazer com que eles se tornem violentos ou agressivos contra o jogador ou contra outros a qualquer momento.

Nesse ambiente completamente desfavorável está o personagem do jogador: um indivíduo que sobreviveu ao Black Day, porém um ano antes dele ocorrer, recebeu as instruções de um homem – identificado no jogo como Dismal Man (Homem Obscuro) – para encontra-lo após esse dia. Essa é a Main Quest do jogo: Encontrar o Dismal Man e obter respostas a respeito de seu aviso – como ele sabia, o que ocorreu, se há uma forma de escapar dessa nova realidade. Para cumprir esse objetivo, o jogador irá se encontrar com diversas side quests relacionadas ao modo como os habitantes de Arkham estão mantendo sua sanidade, buscando por algo que perderam, ou por suas próprias respostas. Nessas side quests, aprenderemos mais sobre o Culto, a Máfia e os horrores que tomaram Arkham, constantemente colocando em risco a integridade física e mental dos personagens.

Seguindo o Dismal Man antes do Black Day
Interagindo com o Dismal Man após o Black Day

Algo muito comum são as interações e diálogos no qual o personagem precisa se engajar e as escolhas que o jogador faz a respeito delas. Os diálogos e as escolhas são elementos essenciais que definem a investigação do jogador na sua busca pelo Dismal Man. Sim, há um elemento de investigação – algo que já era de se esperar em uma narrativa Lovecraftiana -, pois Stygian não entrega tudo que você precisa saber de mão beijada. Não há marcadores no mapa dizendo para onde você precisa ir, sendo as únicas pistas o que está escrito em seu diário – que é preenchido automaticamente de acordo com as quests que você adquire e das conversas tidas com os NPCs -, e por mais que você eventualmente chegue ao local que você precisa ir através da exploração, esse modo de jogo é uma boa maneira de perder Pontos de Sanidade e ganhar Pontos de Angústia – que serão comentados mais adiante. Portanto, abrace o investigador que há dentro de você e se comprometa nessa tarefa.

 As escolhas são elementos essenciais na história – e combina com o papel de investigador que o jogador assume -, visto que elas interferem em quem será seu aliado, se entrará em combate, se salvará um personagem, entre outras. O bom uso das escolhas afetará o seu andamento do jogo, por isso elas são essenciais. Leia os diálogos com cuidado e pense bem no que você está prestes a dizer e na ação que irá tomar, elas podem mudar o modo como seu personagem irá desbravar Arkham.

Interagindo com um NPC

O ambiente é assustador. A arte é simples, porém funciona bem com a proposta do jogo, lembrando o estilo das artes de quadrinhos das revistas pulp, em um período que aparenta ser entre os anos 40 e 60. Tudo nos ambientes dizem “terror”, e conforme se avança no jogo, mudam para cenários cada vez mais de “outro mundo”, mostrando que quanto mais se progride na história, mais se afasta da definição mundana de realidade.

A música e os sons ajudam muito na experiência. O modo como o som foi composto para Stygian aumenta a sensação de ansiedade e insegurança no jogador – os gritos de terror que ecoam de vez em quando não permitem que o jogador se acostume com a música ambiente – permitindo uma imersão muito profunda, principalmente se você está usando fones de ouvido.

Gameplay

O sistema de jogo é em estilo RPG, tanto que antes de começar a história, o jogador precisa escolher o seu personagem, recebendo a opção de criar um personagem do zero ou de utilizar um dos oferecidos.

Criando um personagem do zero
Escolhendo um personagem pré-pronto

A escolha do personagem é a primeira grande decisão que o jogador precisa tomar, visto que cada um dos personagens jogáveis disponíveis possui uma crença e um conjunto de habilidades no qual ele se especializa. O mais importante desses dois fatores é a crença, e é algo no que o jogador precisa prestar muita atenção, dado que é uma mecânica importante no jogo. Não apenas serve como recurso de roleplay – algo que você fará bastante no jogo -, como também é muito importante por questão da sanidade do seu personagem.

Sanidade é uma barra e recurso essencial, e algo que quem já jogou outros RPGs Lovecraftianos – como o RPG de mesa Call of Cthulhu – sabe que é um recurso precioso. A perda total dessa barra é algo assustador, e pode ter consequências terríveis. Ao mesmo tempo, ela é um recurso de combate, visto que ela é usada pelos personagens que utilizam magia como combustível para seus feitiços e ritos, que são habilidades que podem fazer grande diferença no combate. Isso serve para mostrar como poder e conhecimento vêm com um preço. Além disso, há eventos no jogo que serão demais para a integridade mental de seu personagem, que fará com que ele perca Sanidade. Esses eventos podem acontecer a qualquer momento – sendo escritos na história ou causados por combate -, então procure não deixar a sanidade do seu personagem baixar demais.

Perda de Sanidade ao testemunhar um evento traumático ou de terror intenso

Há duas maneiras – ao menos que eu identifiquei – de recuperar Sanidade: a mais simples é através do descanso, onde é possível fazer tratamento psicológico do seu personagem e aliados, se você possui a habilidade; ou através dos diálogos, onde a escolha correta irá reafirmar a crença de seu personagem e dar algo para ele se apegar à sua visão de mundo. Novamente, roleplay é importante, então escolha/crie um personagem, se apegue ao que ele crê e escolha as opções que reforcem essa crença, ou o testemunhe ele definhar.

O tempo usado durante o descanso dos seus personagens é o seu melhor amigo nesse jogo. Não apenas ele permite que você recupere os Pontos de Vida e Sanidade, como também é o tempo em que você irá desenvolver as suas habilidades de pesquisa e entendimento de magias e do oculto, além de aprender novas receitas, fórmulas e modelos para serem usados pelos seus personagens em diferentes pontos do jogo.

Desenvolvendo habilidades e curando os personagens enquanto descansa

É válido lembrar que as skills em Science (Ciência), Medicine (Medicina) e Survival (Sobrevivência) possuem três ramos de criação diferentes, e dependendo da classe do personagem, ele pode ter habilidades em um ou em outro. Seja qual for o ramo que seu personagem possuir, é sugerível que você aproveite o máximo que puder e que aprenda o máximo de itens fabricáveis que puder, nunca se sabe quando eles serão úteis.

Combate

O sistema de combate em Stygian é algo que foi muito bem construído, porém é altamente recomendável não tomar parte. Essa contradição é real e não se dá por conta de algum erro no jogo ou por alguma mecânica falha, mas sim por causa da própria essência do jogo.

O combate se dá pelo sistema de turnos e de maneira tática. É possível mover os personagens pelo mapa de batalha, colocando-os em posições estratégicas – tal como atrás de uma barreira caso ele tenha vida e resistência baixa, mais próximo dos adversários caso ele seja bom em corpo-a-corpo, a distância se for bom com armas de fogo, em distâncias favoráveis para o melhor efeito de cada magia, ou colocado como de suporte caso tenha valores altos em habilidades de medicina. Como há elementos de survival no jogo, como se aborda o combate é importantíssimo, visto que o uso de armas de fogo requer o uso de munição – algo que precisa ser adquirido através de compra ou de exploração, e não é algo barato -, além que engajar-se em uma luta afeta a barra de Sanidade dos personagens – assim como o uso de magias -, então é interessante pensar bem antes de lutar até o fim, preferindo pegar a primeira oportunidade de fuga que surgir ou evitar o combate, caso possível.

Os inimigos do combate variam: Podem ser humanos enlouquecidos ou seres bizarros

O elemento que faz o combate ser algo pouco recomendável é a barra de Angústia, que é preenchida após cada combate junto com a barra de Experiência.

A barra de Angústia marca os pontos de “experiência negativa” dos personagens, que ao invés deles ganharem benefícios quando ela preenche, ganham malefícios, vícios e impedimentos na progressão do personagem. A pior parte é que você é obrigado a escolher qual o efeito negativo que seu personagem recebe. Esses efeitos negativos são reflexões de traumas que o ser humano adquire em situações de stress inteiro, assim como os hábitos e vícios que ele adquire para lidar com o acontecido. Então, perder a sanidade não é seu maior problema no jogo.

Lembre-se que mesmo tomando muito cuidado e pesando suas escolhas de entrar em combate ou não, seus personagens acabarão com alguns vícios e efeitos negativos no final do jogo. Apenas procure fazer sua decisão de entrar em combate valer a pena.

Há no geral três maneiras de lidar com conflitos e quests em Stygian: negociação, diálogo e combate, se bem-escolhidas as duas primeiras opções, você pode escapar da terceira. Fique bem atento com os pontos fortes da build de seu personagem – um personagem fraco em combate e habilidoso em conversação pode literalmente escapar de uma situação ou pagar um valor menor por um item através de negociação, enquanto um personagem mais forte fisicamente pode usar da força como recurso mais confiável -, ser fiel ao seu personagem e focar em seus pontos fortes será a melhor maneira de navegar a cidade de Arkham com esforço mínimo.

Conclusões

Stygian: Reign of the Old Ones captura todos os melhores elementos presentes na literatura Lovecraftiana, Cthulhu Mytos e Horror Cósmico e transforma em um RPG point and Click de terror cativante. Ele é imperdível para os fãs do gênero de terror e de RPG.

O gameplay e a ambientação fazem com que o jogo seja uma experiência um tanto estressante, visto que você constantemente precisa tomar decisões a respeito do combate e do roleplay. O peso de saber que todas as decisões que você toma podem causar resultados negativos para seus personagens e nunca saber se você fez a certa é um peso que faz parte da experiência e da imersão do jogo, mas por conta disso, recomendo fazer algumas pausas na sua primeira vez jogando o jogo dará descansar e se livrar do estresse. Ao mesmo tempo, é isso que faz o jogo ser divertido.

Não sugiro se apegar demais ao primeiro ou segundo personagem que criar, visto que você acabará cometendo erros e causando insanidades no seu personagem. Use essas experiências para melhorar o andamento de seu próximo jogo e build de seu personagem. Aproveite o fato que essas experiências estão ocorrendo em um jogo eletrônico e não na nossa realidade, use o método de tentativa e erro.

Stygian: Reign of the Old Ones – desenvolvido pela Cultic Games com a 1C Entertainment como publisher – está disponível para PC e Mac.

Laura Giordani

Historiadora e estudiosa de imagens e mídias viciada em jogos, filmes, HQs, livros, podcasts, RPG, animes e séries. Quando não está tentando desvendar os mistérios da História e sua relação com as novas mídias, ou tentando navegar pelo seu quarto debaixo de pilhas gigantes de livros, pode ser encontrada em um canto meio iluminado jogando algum título da série Final Fantasy, Diablo, Elder Scrolls ou Pokemon. Sua preferência literária é vasta, porém há preferência pelos temas de fantasia, ficção científica, cyberpunk e terror. Suas mais notáveis habilidades são: ingerir dezenas de litros de cafeína sem ter um ataque cardíaco e tagarelar por horas sobre nerdices sem parar.