Análise | Ghost of Tsushima (PS4)

Desenvolvido pela Sucker Punch exclusivamente para Playstation Ghost of Tsushima é um jogo em mundo aberto que explora o período histórico das invasões mongóis no território japonês, mais precisamente no Arquipélago de Tsushima, no final do século XIII.

Sua apresentação foi em outubro de 2017 na Paris Game Week seguida de anúncios constantes nos anos seguintes e finalmente chegará ao PlayStation 4 em 17 de julho deste ano de 2020.

Em Ghost of Tsushima o jogador comandará Jin Sakai, um samurai com boa experiência e técnica em sua missão para libertar o Jitou de Tsushima, também seu tio, Lorde Shimura para que lidere os exércitos locais para derrotar os invasores e impedir que eles conquistem o Japão.

História vs Estória

Houve duas invasões do Império Mongol ao Japão, a primeira em 1274 e a segunda em 1281.

Conforme a descrição oficial do jogo, estaremos enfrentando os mongóis em sua primeira tentativa de invasão em 1274 e Tsushima foi o primeiro alvo por ser um ponto estratégico localizado no meio do caminho entre a região da atual Coréia do Sul e a ilha principal do arquipélago japonês.

Se quiser conhecer um pouco mais sobre esse contexto histórico, os amigos do Nerdweek publicaram no dia 10 de julho um ótimo texto sobre o assunto.

As regiões, cultura e o período explorado em Ghost of Tsushima são utilizados como pano de fundo para uma estória quase que completamente fictícia, o que já lhe diferencia de outros jogos que costumam utilizar personagens históricos para amarrar a realidade a uma abordagem fantasiosa.

Os desenvolvedores declararam diversas vezes a reverência ao período feudal japonês e muito diretamente à forma como fora representado em obras cinematográficas do diretor Akira Kurosawa e incluíram a possibilidade de jogar o jogo totalmente em preto e branco seguindo a estética característica do diretor.

Na pele de um samurai

Jin é um nobre samurai, treinado em combate por bons instrutores incluindo o próprio tio, atual governante da região de Tsushima.

Os mongóis, liderados por Khotun Khan, aportam nas praias ao sudoeste de Tsushima e inicia-se o primeiro embate do jogo, que lhe apresentará as mecânicas básicas de combate e exploração e alguns dos principais personagens e suas motivações.

Depois desse início o jogo vai soltando gradativamente a sua mão e te permitirá explorar grandes áreas sem deixar afundar em missões paralelas ou confundir caminhos.

Há um ótimo controle do senso de urgência e do ritmo narrativo e um equilíbrio na apresentação de mecânicas novas para dar tempo de se acostumar com a jogabilidade, personagens, regiões e o que é ser um samurai nesse contexto.

A simplicidade inicial permite sentir-se razoavelmente poderoso perante os inimigos ao mesmo tempo que há o perigo iminente da derrota devido a letalidade das armas e da forma como os eles se comportam nos combates.

Há uma evolução clara dos inimigos com sua evolução, eles se tornam mais agressivos, mais fortes e a combinação de adversários é alternada constantemente exigindo do jogador uma alternância entre um combate mais ativo ou mais reativo, utilizando o aparo e a esquiva.

Não há nenhuma mecânica realmente inovadora em Tsushima, ficando clara que a preocupação era entregar um conjunto coeso de habilidades que unissem a realidade e a fantasia e permitisse ao jogador se beneficiar ao escolher quais habilidades e equipamentos beneficiam mais a sua forma de jogar.

Há uma característica que pode ser um pouco mais complicada de assimiliar, já que estamos acostumados com sua presença na maioria dos jogos: a ausência de uma trava de mira. Não será possível com o pressionar de um botão definir o inimigo principal para que a camera foque sempre nele, você precisará o tempo todo controlá-la e posicionar para ver o maior número de inimigos possível.

Com isso haverá momentos em que você estará cercado ou o inimigo do duelo será tão poderoso que aprender os padrões de ataque, estar atento aos sinais e sincronizar seus movimentos fará se sentir como os samurais dos filmes de Kurosawa.

Absorvendo e sendo absorvido por Tsushima

Samurai é uma classe da sociedade japonesa que perdurou por quase um milênio, entre os séculos X e XIX e que é ativamente explorada em diversa obras de ficção, sejam elas produzidas no Japão ou fora dele. Há grande variação de sua função ao longo da história e de sua representação em livros, filmes, seriados e desenhos.

A representação dos samurai do final do século XIII me remete às obras que eu consumi anteriormente. Não consigo julgar a fidedignidade histórica, mas a construção nobre, dedicada e honrada é muito semelhante ao retratado em outras produções. Contudo, há uma tentativa de humanização e um certo distanciamento do guerreiro perfeito, que não desvia de seus ensinamentos e deveres e, como o termo japonês determina, serve seus superiores com honradez.

Há uma pequena variedade na forma como os principais personagens da estória se portam perante toda situação causada pela invasão dos mongóis, um povo cuja cultura é bastante diferente da japonesa.

Apesar de guiarmos a jornada de Jin para proteger seu povo, entendo que há um cuidado razoável em não retratar os mongóis apenas como bárbaros incultos e violentos. É claro que eles são o inimigo no jogo, mas sua dominância inicial não é baseada na pura brutalidade, eles são estrategistas sagazes e estudiosos empenhados.

Todo esse contexto de uma guerra plural de força, estratégia, fé e inteligência, abrangendo conceitos de honra, propósito, família, lealdade e servitude permite discutir e absorver as decisões e motivações da maioria dos personagens.

Como um jogo narrativo de mundo aberto é necessário convencer o jogador a explorá-lo e o trabalho da equipe da Sucker Punch nesse quesito é bastante eficaz.

Os desenvolvedores citaram em entrevistas sua preocupação no desenvolvimento do jogo e na representação da região e de suas figuras históricas. Essa preocupação os levou a criar um ambiente que permitisse a imersão na ilha principal de Tsushima sem precisar se preocupar por representar perfeitamente as construções e as pessoas daquela época.

Eles consultaram historiadores, especialistas em combate com espadas e tentaram representar até mesmo os sons de pássaros da região, tudo para permitir a imersão do jogador e em minha visão tiveram grande sucesso.

Além do visual de prédios, árvores, flores e montanhas, muito das sensações é causado pelo ótimo trabalho da equipe de áudio. Andar em diversos terrenos, ouvir sons de flautas, tambores e sinos, as músicas com timbres tradicionais, tudo é muito cuidadoso.

Claro que em um jogo com ambiente grande e aberto muitas coisas são reaproveitadas e repetidas, seja no visual de aldeões, monges e animais ou nas animações de movimento e nível de detalhe de cada modelo. Tudo isso é mais perceptível a partir do meio do jogo e na exploração das missões secundárias, mas não diminuem a experiência em momento algum.

Progredir e aprimorar

Jin Sakai é um samurai com pouca experiência prática e a invasão mongol exige que ele aprimore seu corpo, mente e equipamentos.

É claro que o combate irá lhe conceder experiência, que será acumulada em pontos de habilidade. Esses pontos de habilidade permitem decidir qual a técnica será aprimorada ou aprendida, mas aqui a relação entre as habilidades é baixa e permite moldar o personagem conforme sua necessidade para o momento do jogo. Reforço que não há nada muito único nesse processo, mas ele é equilibrado e justo.

Há também a parte de coleta de recursos para aprimorar os equipamentos e se prestar um mínimo de atenção em cada vila, forte ou castelo que visitar não faltarão para evoluir bastante os seus itens preferidos. Evoluir todos ao máximo é uma tarefa mais demorada.

Há uma forma de aprimoramento cujo resultado não é único, mas cuja maneira de apresentar é perfeita para o cenário feudal japonês: a meditação. Você poderá, e eu aconselho, meditar de três formas, cada uma para obter algo diferente: rezar nos santuários, banhar-se nas termas e escrever um haiku. No caso dos santuários há diferença na recompensa de acordo com o tipo de santuário. As termas aumentam um pouco a barra de vida e os haikus te dão bandanas, puramente cosméticas e eu diria que o aprimoramento é cultural do jogador.

Haverá no decorrer do jogo missões mais temáticas que resultam em novas técnicas ou novas armas secundárias.

Há muitas possibilidades e é louvável como conseguiram incluir mecânicas comuns de forma bastante coerente ao tema e que não são meramente pontos distribuídos em uma ficha.

Os contos de Tsushima

Para mim o mundo aberto é inicialmente aterrorizante. Há várias formas de eliminar esse receio inicial e aproveitar o jogo e para mim a principal é a narrativa. Gosto quando o jogo me convence a querer conhecer mais daqueles personagens e daquele local.

Quando anunciado Ghost of Tsushima e sua temática samurai me fizeram prestar atenção e assim como com Sekiro, eu queria mergulhar nele. Sekiro me perdeu na dificuldade de seu combate e temia que o mesmo acontecesse com Tsushima. Não foi o caso e isso me permitiu aproveitar a jornada e capaz de me fazer voltar a ele em outras oportunidades.

Acho importante colocar a expectativa num ponto razoável, então deixo claro que não é a melhor e maior estória da humanidade, mas com certeza a muito carinho em sua execução.

Cada momento e cada diálogo teve peso para mim, não muda quase nada no caminho, mas as poucas escolhas que fizer farão a jornada ser bastante pessoal.

Eu trilhei com Jin o caminho do samurai e senti a responsabilidade de salvar Tsushima sobre suas costas. Cada diálogo e poesia foi escolhido com cuidado mesmo que não tivesse impacto sobre o mundo, tinha impacto para mim.

O jogo é dividido em três atos e há diversos contos a serem seguidos e por serem contos são como uma lenda e não há muito como mudar muito as coisas. Você pode ignorar contos secundários, eles não mudam o destino final, mas aconselho que ao menos os contos de seus aliados você faça para criar laço de cumplicidade com eles.

Essa abordagem em contos é muito interessante para alguém que gosta de lendas e mitos, como eu, mas gera um pouco de frustração em alguns momentos. Missões cujo mínimo deslize geram falha e reinício e limites de área de ação com contagem regressiva, por exemplo.

Apesar desses pequenos momentos de frustração, em dificuldade normal há pouca punição pelo erro, morrer não traz perda além da progressão desde o último checkpoint e esses são bastante frequentes. Isso é positivo em um jogo que foca na narrativa e conhecimento do mundo, mas pode ser entediante para jogadores mais habilidosos.

Vozes e imagens

Ao ligar o jogo você será apresentado a escolhas de idioma e estilo visual, se não entender as diferenças, não se preocupe, você pode mudar a hora que quiser.

Quando iniciei o jogo optei pelos diálogos em japonês, textos e legendas em português e imagem padrão, mas logo notei que as vozes em japonês não estavam sincronizadas com os lábios dos personagens e que a quantidade de diálogos em meio a combates e cenas com muitas coisas a prestar atenção me fariam perder a história. Troquei logo para diálogos em inglês.

Gostei muito das vozes e das interpretações em inglês, principalmente que houve um cuidado grande na pronúncia dos nomes e termos em japonês que são utilizados. Depois de finalizar o jogo testei os diálogos dublados em português por algumas horas e eles são ótimos também, inclusive recomendo que utilize o idioma que tem grande familiaridade, vai agregar muito na imersão e entendimento do que ocorre e não vai precisar depender de olhar pra baixo nas legendas em um jogo com cenários tão bonitos e bem variados.

Não notei muitas opções de acessibilidade, pode ser que não estivessem disponíveis nessa versão pré-lançamento ou simplesmente ter passado batido por mim.

Com a grande influência de Kurosawa nos desenvolvedores, tive que testar o Modo Kurosawa, joguei algumas horas com ele e não me agradou. É um bom trabalho de estabelecer o contraste certo para que tudo seja compreensível, mas acho que perde todo um trabalho de cores e tonalidades das regiões, estações e condições climáticas, além de dificultar um pouco na identificação rápida de golpes indefensáveis e de inimigos quando usando a audição aguçada. Acho que vale pela brincadeira e pela homenagem a um dos expoentes do cinema mundial.

Conclusão

Devido à conjuntura da pandemia e dos diversos jogos atrasados Ghost of Tsushima chegou muito próximo do potencial maior jogo da Sony para 2020 e que talvez não tenha o destaque merecido no marketing e no boca a boca antes de seu lançamento na próxima sexta-feira dia 17 de julho, mas com certeza é um jogo que mostra que é possível aproveitar as boas idéias apresentadas por outros jogos e entregar equilíbrio e grande personalidade.

As minhas cerca de 40 horas vividas em Tsushima, até o momento, foram muito agradáveis, eu não queria largar o jogo. Há intercalados momentos grandiosos, reflexivos, melancólicos e divertidos, que aprofundam as características dos personagens e tornam a jornada mais real e significativa.
Com certeza, voltarei a explorar a ilha, no pós-jogo, guiando Jin Sakai em sua missão de expulsar os mongóis e atingir o primor como samurai e fantasma de Tsushima.

PS: Sucker Punch, pode fazer mais jogos dessa franquia.