Análise | Disco Elysium

Um mergulho profundo em uma mente extremamente conturbada e danificada porém ainda assim genial, é o que este jogo se propõe a fazer, e faz.

Disco Elysium é um RPG desenvolvido e publicado pela ZA/UM. Foi lançado para PC em 15 de outubro de 2019, Seu lançamento para consoles está planejado para este ano (2020). O jogo tem como forte inspiração jogos clássicos de PC/RPG como Baldurs Gate, e até mesmo o RPG tradicional de mesa, sendo escrito e projetado pelo romancista estoniano Robert Kurvitz. Aclamado pela crítica e considerado por muitos o melhor game de RPG de todos os tempos, Disco Elysium é um dos jogos mais interessantes que eu tive oportunidade de jogar em toda minha vida, nesta análise vou tentar expressar o porque. 

ENREDO

O jogo começa de uma forma bem familiar para jogadores de RPG, o seu personagem está acordando, entretanto, ele não está em um quarto aconchegante em uma pacata vila de fazendeiros, nem a caminho da prisão ou preso em uma cela macabra, você está em um quarto de hotel completamente destruído e tentando se recuperar de uma ressaca das brabas, a bebedeira foi tão forte, que além de levar sua dignidade, levou também sua memória…

Na busca de tentar entender quem você é e o que você está fazendo alí, nos primeiros momentos do jogo você descobre que seu personagem é um detetive enviado pela RCM (uma espécie de polícia daquele mundo distópico) para investigar o assassinato de um homem que foi encontrado enforcado em uma árvore.

Disco Elysium se passa na fictícia cidade de Revachol, mais especificamente no bairro costeiro de Martinaise. Ao circular pelo mapa você rapidamente percebe a decadência do lugar, crime, pobreza e corrupção são a regra no pequeno vilarejo controlado pelo Sindicato dos estivadores. Reflexos de uma revolução comunista que aconteceu 50 anos do jogo começar e derrubou a monarquia vigente ainda são visíveis a olho nu, tanto nos buracos de bala na parede, armas antigas escondidas pela cidade e a constante discussão entre seus moradores sobre os benefícios e malefícios daquele movimento.

Na busca de respostas e a solução para o crime que você foi enviado para resolver, o personagem descobre a densa história daquele local, seus moradores, seus conflitos políticos e sociais e ao mesmo tempo se descobre como pessoa, tanto seu passado (recente e distante), dando liberdade para o jogador agir em relação a seu presente e futuro, que tipo de pessoa você quer ser nessa história.

O enredo do jogo tem apenas uma missão principal, resolver o assassinato, porém, com mais 30 horas de conteúdo, você decidirá o quanto quer se envolver com tramas secundárias e diversos mistérios espalhados pelo mapa, o mergulho pode ser tão longo quanto o jogador quiser, ou, ficar literalmente na superfície, até mesmo em suas opiniões e atitudes. Extremamente político e dando liberdade para o jogador se posicionar da forma que quiser (insentão, em cima do muro, extrema direita, direita, liberal, conservador, esquerda, extrema esquerda, marxista e etc), Disco Elysium não foge do debate político, aliás, é onde o jogo brilha, numa época onde pessoas reclamam de política nos filmes, jogos e etc, esse título não só usa da política no plano de fundo, o jogo é sobre isso, é um jogo sobre política.

JOGABILIDADE

Seguindo as suas inspirações de RPGS clássicos, a jogabilidade deste título se parece muito com a experiência de jogar um RPG de mesa, este jogo, arrisco a dizer, tem a melhor experiência de Role Play que eu já vi em um game, em outros jogos ricos em diálogo que suas falas determinam o andamento do jogo como Fallout e Mass Effect, diversas vezes eu tive a impressão que o que eu realmente queria falar não estava entre as opções, em Disco Elysium eu senti que quase sempre eu conseguia me expressar de uma maneira bem fiel com o que eu diria naquela situação, sendo muitas vezes não falando nada, mudando de assunto, se desculpando ou opinando de forma agressiva sobre alguma coisa que eu considerava absurda, a opção estava lá para contrariar (de varias formas) o discurso do NPC. Apesar de ser um personagem com background definido, você tem muita liberdade para molda-lo de acordo com as suas opiniões, o passado desse personagem existe e uma das coisas mais interessantes do jogo é descobrir este passado, porém, o presente e futuro dele estão em suas mãos.

Existem algumas “barreiras” em relação a jogabilidade neste jogo, a principal delas é o inglês, sendo um jogo completamente voltado para texto e diálogo, Disco Elysium afasta completamente quem não é fluente (bastante fluente) na língua, e pode afastar também aqueles que preferem um jogo com mais ação, aqui, o combate é praticamente inexistente, e quando acontece é decidido por uma rodada de dados que resulta em uma ação pré-determinada, assim como em qualquer RPG de mesa. O foco do jogo é diálogo, leitura do texto e reflexão, você ficará literalmente por volta de 30 horas lendo documentos e itens, conversando com NPCs, seu parceiro Kim Kitsuragi, com sua própria mente e até mesmo sua gravata. Sim, você conversa com alguns objetos no jogo.

Devido ao complexo sistema de distribuição de pontos e habilidades, nosso personagem irá desenvolver capacidade de análise, argumentação, pressentimentos dentro da sua própria mente, todos os atributos são personalidades dentro do cérebro do personagem, que conversam com você o tempo inteiro, opinando, discordando entre si, nos alertando de algum perigo ou algum ponto interessante para explorar no cenário ou em um diálogo, é também neste ponto que Disco Elysium se destaca e torna-se complicado, mesmo com muitas horas de jogo e com um inglês razoável, eu demorei pra entender como funcionava este sistema, eu costumo discordar quando a frase “este jogo não é pra todo mundo” é dita, todavia, neste caso eu acho que ela se aplica.

GRÁFICOS E TRILHA SONORA

Com a clássica visão isométrica e usando o sistema de point and click, Disco Elysium tem gráficos muito detalhados e bonitos, porém não muito exigentes, o jogo roda em maquinas bem modestas, a escolha da direção de arte em fazer um jogo que parece que foi pintado a mão, em todos os seus aspectos trás uma vibe surrealista e caótica, ainda assim, muito bonita, prédios abandonados, uma pobre cidade costeira consumida pela neve, fábricas e um quarto de hotel destruído tomam uma belíssima forma que da vontade de tirar um print atrás do outro.

A trilha sonora do jogo aparece em momentos chaves, geralmente o jogo é silencioso, entretanto, toda vez que você passa pela praça principal do jogo a trilha se inicia e é incrível, tenho certeza que o leitor que jogou este jogo está ouvindo agora ela em sua cabeça, a música é altamente contagiante.

CONJUNTO DA OBRA E CONCLUSÃO

Apesar de ter diversas limitações, toda vez que alguém diz que Disco Elysium é o melhor RPG de todos os tempos, eu não acho essa afirmação exagerada após ter completado o game, sendo corajoso em vários aspectos como por exemplo a quantidade de texto, ausência de combate (você pode passar o jogo inteiro sem pegar sua arma de fogo), ritmo lento (o jogo demora quase 10 horas para “desabrochar” sua trama) e falando de forma direta e clara de política, este game é um exemplo de como o videogame pode ser profundo de uma maneira que somente esta mídia consegue.

É sem dúvidas, uma das opções mais interessantes desta geração.