Um raio em meio ao céu azul. Foi o que C.S Lewis certa vez usou para descrever a obra de seu amigo, J.R.R Tolkien. Talvez o mesmo possa ser dito sobre os irmãos Wachowskis quando eles apresentaram, na virada do século, o primeiro filme de Matrix para o mundo. De lá para cá a dupla não conseguiu repetir o mesmo sucesso nem mesmo dentro da trilogia. Com exceção da adaptação de “V de Vingança” (que, aparentemente, só o Allan Moore não gostou!), eles assinaram o seu sobrenome em Speed Racer, um dos maiores fracassos de Hollywood, e em “Cloud Atlas” e “O Destino de Júpiter”, duas ficções científicas que, apesar da premissa interessante, não se concretizaram.
Quando “O Destino de Júpiter” estava sendo lançado no Brasil, em Fevereiro deste ano, já sabia-se que Andy e Lana Wachowski estavam produzindo uma nova série para a Netflix. Com um plot bem ao estilo dos dois, o seriado prometia não apenas tratar de ficção científica e indagações humanas como também resgatar a carreira dos diretores que, depois de mais um filme questionado e mal aceito pelo público, não estava conseguindo se sustentar somente com a revolução que tinha sido Matrix.
Lançado no começo de junho pela Locadora Vermelha, Sense8 foi um sucesso quase que imediato. Com uma ideia muito semelhante ao que foi esboçado em “Cloud Atlas”, a série conta a história de oito pessoas, uma em cada ponto do planeta, que descobrem uma conexão entre si. Uma conexão que os permite sentir o que o outro sente, ir até onde o outro está e, principalmente, entrar em seu corpo e agir pela pessoa. São oito “super-humanos”, tratados na série como uma evolução de nossa raça.
Apesar de um pouco confuso, o primeiro episódio já deixa bem claro quem são os oito “sensitivos” e todo o cenário que os cerca. Assim como nós, telespectadores, nenhum dos personagens sabe de sua situação, o que foi uma estratégia genial dos Wachowskis, jogando os protagonistas junto com a plateia em meio àquele mar revolto que aparenta ser a história da série, ao menos no começo. As primeiras cenas consistem em mostrar o nascimento deles como sensitivos, a partir de cortes rápidos e vislumbres da morte de sua “mãe” Angelica (Daryl Hannah), além da apresentação de Jonas (Naveen Andrews), que será o guia deles, e Sussurros (Terrence Mann), o grande vilão da trama. Mostrado isso, a história de cada personagem começa a ser contada, permeada por estranhas visões e situações que desafiam a lógica de todas as formas. Afinal, ninguém espera que uma galinha apareça do nada em sua mesa de trabalho e suma dois segundos depois.
Deixando de lado os detalhes do enredo, é possível definir Sense8 em apenas uma palavra: Poesia. Poesia na forma de escrita, imagem e áudio. Os Wachowskis conseguiram levar toda a arte e sutileza do cinema para a TV, transformando o que seria o projeto de uma série em um filme de doze horas, extremamente sensível e com uma harmonia única entre fotografia, trilha sonora e roteiro. Apesar do tema envolver conceitos de ficção científica e o impacto dos mesmos sobre a realidade humana, isso tudo tornou-se, ao menos na primeira temporada, secundário. O que o enredo realmente dialoga ao longo desses dozes episódios é sobre diversidade cultural e relacionamentos entre pessoas, sempre tratados da maneira mais humana e natural possível. Como suporte à tudo isso, os diretores, em parceria com Straczynski (Babylon 5), deram uma verdadeira aula de construção de personagem. O tratamento dado aos oito protagonistas é tão profundo que faz o telespectador se sentir o nono membro do grupo, imergindo em suas vidas e compartilhando os seus dilemas, mostrando que, talvez, o principal problema dos Wachowskis no cinema era o tempo limitado, afinal para trabalhar de maneira cuidadosa, como eles gostam de fazer, ideias e personagens tão complexos, como eles gostam de criar, duas horas e meia é muito pouco. As obras da dupla estavam ficando apertadas demais dentro da grande tela.
Outro ponto que se destaca no seriado é a maneira como ele foi filmado. Apesar de terem mudado a forma de se fazer cinema com os efeitos usados em Matrix, os Wachowskis sempre tentaram ser o mais realista possível durante as gravações, para que o ator realmente imergisse no universo do filme. Entretanto, o que separa o nível de dificuldade de se fazer Sense8 do de outras obras da dupla são as locações e a maneira como os personagens interagem uns com os outros. Sendo oito protagonistas de oito pontos diferentes do planeta, tem-se, de cara, oito lugares diferentes para filmar. Fora a Islândia, terra natal da Riley, que se torna o cenário principal dos últimos capítulos.
Além disso, ao longo de todo o seriado, os personagens vivem indo e vindo onde os seus “irmãos” estão. Sendo que, em nenhum momento, é feito um corte seco ou uma mudança repentina e inexplicável de cenário. Todas as transições são extremamente fluidas, e em muitas delas os locais de cada um dos Sense8 se misturam no quadro, envolvendo não apenas diálogos, mas cenas complexas de ação, luta e, por que não, suruba! Sério, tinham que dar um prêmio para aquilo.
Equilíbrio. Talvez essa seja a principal característica que explica a qualidade de Sense8. Engaiolados em Hollywood, desta vez os Wachowskis, ao longo de doze horas de série, puderam explorar todas as nuances dos complexos temas que eles gostam de abordar, desenvolver os personagens para isso e aproveitar a liberdade criativa que a Netflix oferece aos seus produtores de conteúdo. Como resultado dessa equação, não poderia sair nada além do que uma obra em seu ponto ideal, novamente assinada pela dupla que definiu os rumos do cinema no século XXI.