Em plena pandemia de 2021, aos poucos vemos o mundo se adequar aos tempos complicados em que vivemos. Um dos pontos mais afetados dessa situação acaba por ser o mercado de games e as grandes adiações: quase todo grande game dos últimos 2 anos passaram ou por adiações ou lançamentos conturbados, um reflexo da dificuldade de se produzir algo coletivo sem poder manter grandes equipes no mesmo ambiente.
A ausência de grandes jogos acaba abrindo espaço para que pequenas pérolas, que normalmente passariam batidas, tenham a sua chance de brilhar. E é nesse catadão de jogos que surgiu a pequena maravilha que, em minha humilde opinião, tem potencial pra ser um dos GOTY (com certeza, o melhor indie).
Ender Lilies é um metroidvania no sentido mais puro da palavra: um jogo 2D de plataforma e combate com um mapa aberto gigante onde acessar determinadas áreas depende de habilidades a serem conquistadas ao longo do jogo. O grande diferencial dele para outros jogos é o flerte com RPG, a inspiração em elementos de Soulslike (sem a dificuldade elevada), o visual e a narrativa.
O primeiro ponto de destaque (e talvez o maior) é a narrativa, pouco comum em jogos do estilo: Você encarna uma pequena criança, despertada pelo espirito de um cavaleiro negro de uma tumba no fundo de uma igreja. A criança , que é quem você controla, é a Sacerdotisa Branca, uma entidade sagrada com a habilidade de se comunicar com espíritos e purificar o mundo.
O mundo em questão, o País do Fim, foi castigado com uma chuva negra que transformou o povo em monstros amaldiçoados e cabe a pequena garota, com a escolta do seu cavaleiro, purificar os que puderem ser salvos e descobrir como salvar o mundo.
Ao longo do percurso, chefes e subchefes derrotados vão dando mais informações, contando pequenas histórias sobre como o mundo chegou a este ponto, quem é você e o que pode ser feito para reverter o caos.
Durante o gameplay, controlamos a pequena sacerdotisa, que tem a habilidade de se esquivar e pular, sendo a responsável pela locomoção do jogador. Já o combate fica a cargo dos espíritos : inicialmente, apenas o Cavaleiro, com seus ataques de espada, mas a cada subchefe e chefe derrotado, este é “purificado” e se torna um novo ataque: subchefes se tornam armas secundárias enquanto chefes se tornam ataques primários, além de fornecer uma nova habilidade de locomoção que dá acesso a novas partes do mapa.
O mapa em questão é relativamente simples, marcando apenas qual área pertence a cada caixa e se há algum item relevante na mesma, sem muitas informações sobre a área em si. Exploração é a palavra de ordem aqui e acaba sendo essencial, uma vez que o jogo não dá nenhuma indicação de onde ir. Cabe a você explorar e, se achar alguma barreira, voltar ao ultimo ponto de descanso e tentar outro caminho.
Da mesma forma, se uma área ou um boss estiver difícil de passar com as habilidades que você tem, explorar outra área pode abrir um novo leque de oportunidades, com uma nova habilidade que facilite o percurso ou potencialize o dano.
Ao longo da jogatina, você coleta diferentes fragmentos que sobem seu nível e podem ser utilizados nos pontos de descanso para melhorar as habilidades que você tem. A contra partida é que, cada vez que você descansa, além de recuperar a vida, encher os itens de cura e fazer upgrades, você ressuscita todos os inimigos comuns no mapa.
A morte é uma possibilidade constante, uma vez que a pequena sacerdotisa não aguenta muito dano. Assim, cada vez que se morre, você retorna para o ultimo ponto de descanso e essa é a única punição. Tudo que foi recolhido permanece e o desafio passa a ser refazer o caminho, agora já sabendo onde estão os inimigos e com o mapa explorado.
Por conta disso, o game faz o possível para não ser frustrante, deixando um ponto de save sempre perto de um desafio mais cabeludo, como na sala antes de um boss.
Visualmente, o jogo é um deleite, com uma arte belíssima e excelentes animações e efeitos. O visual sombrio e o design de inimigos as vezes lembra uma versão 2D estilizada de Bloodborne, principalmente no que diz respeito ao porte de alguns bosses.
O jogo consegue comunicar bem onde estão os acessos para outras áreas e essas conseguem ser únicas, ainda que se comuniquem bem umas com as outras e mantenham a coerência do design. Desde florestas a campos nevados, tudo é de extremo bom gosto, mantendo uma certa simplicidade mas com riqueza nos pequenos detalhes.
Durante as suas mais ou menos 15 horas, Ender Lillies nunca deixa a peteca da qualidade cair. É uma perola inesperada e, mesmo se fosse em um ano de muitos jogos excepcionais, ainda seria extremamente recomendado. Merece um lugar na prateleira dos clássicos do estilo e uma vaga entre os concorrentes de GOTY de 2021.