Ao final de 2018 foi lançado pelo estúdio espanhol Nomada um jogo que poucos meses antes já intrigava jogadores e jornalistas: GRIS.
O visual do jogo era belíssimo e não estou falando de 4K, gráficos realistas, etc. Era algo impactante e único, inspirado na aquarela, traçado simples e com um estilo próprio.
A pergunta que pairava trazia apreensão: será que os outros quesitos técnicos farão justiça?
A música que toca a alma
Ao iniciar o jogo não apenas podemos admirar a bela animação, há a inserção de uma peça musical belíssima, com a jovem cantando, instrumental harmonioso e que executa o importante papel de dar personalidade à garota e a ao mundo ao seu redor.
A música faz parte do ser humano, o ritmo, a vontade de cantar e se expressar e o uso dessas ideias em sincronia com o drama da perda de voz, da queda e da solidão de GRIS exprime tão bem os sentimentos que espreme o coração e tira dos olhos lágrimas em poucos minutos.
A jornada se inicia no sofrimento e na melancolia e essas notas preenchem o vazio e desolação inicial e no percorrer das cerca de três horas de jogo, cresce e acrescenta à experiência a esperança, a recompensa, a dor dos tropeços e peso dos desafios.
A trilha sonora do grupo Berlinist é uma obra prima e sem ela o jogo perderia muito da essência.
É importante também dar crédito ao design de áudio do jogo, os efeitos sonoros, a mixagem, os detalhes de propagação do som em cenários diferentes, tudo muito bem feito e equilibrado. Há pequenos momentos que a alternância da música de fundo não é tão sutíl, mas reclamar disso é apenas achar pelo em ovo.
A jogabilidade que sustenta
Artisticamente, GRIS é primoroso, mas se errasse a mão em sua jogabilidade poria tudo a perder.
Não adiantaria tratar de uma história de desencanto e depressão se a personagem fosse imediatamente capaz de articular malabarismos e acrobacias. Igualmente perderia impacto se a movimentação tornasse a jornada muito lenta e sem graça.
Há um impacto inicial e a falta de movimento da personagem reflete seu estado emocional, desolada e cabisbaixa, anda lentamente seu corpo pesa, não há pulo.
É no decorrer da jornada que a garota recobra sua força, busca sua motivação e aprende como superar os desafios que lhe são apresentados.
Gradativamente o jogo ganha dinamismo, brilho e cor. O branco e preto é tomado de vermelho, verde, azul e amarelo, há mais reflexos, luzes, sombras e movimento.
GRIS é um jogo de plataforma e quebra-cabeças com pouco desafio. Entender como direcionar saltos e quedas é simples e direto. Resolver os problemas propostos é bastante óbvio.
Não há demérito nessa simplicidade, afinal, a jogabilidade é o alicerce que permite ao restante surpreender e emocionar.
Colorindo e animando a apoteose do ser
Falar desse jogo sem aplaudir o primoroso trabalho de animação e colorização é ignorar aquilo que faz da jornada de GRIS tão impactante e bela.
A representação da perda pela ausência das cores, das rachaduras e do vazio do mundo, o retrato dos males que nos amedrontam de forma tão agressiva nas monstruosas sombras e na escuridão e a força das conquistas, a melancolia, e a alegria da superação nas diversas cores e belas formas que o mundo apresenta. Tudo isso é feito com tamanho cuidado e dedicação que reluz.
A animação dos movimentos dos personagens, das plantas, estrelas, rochas, seres vivos e da água são feitas cada uma de forma única, com detalhes que permitem serem admirados por outras tantas horas além do necessário para finalizar o jogo.
O vestido da jovem é o grande atrativo visual, balançando ao vento, seguindo o movimento de braços e pernas, tomando as diversas formas necessárias para se progredir.
Enfim, tudo o que envolve GRIS é construído para que ao subjugar seus demônios internos seja possível remendar sua personalidade e alçar-se às estrelas em um reencontro com a beleza de ser.